Metodologia de gestão que valoriza o contraditório e a criação coletiva é apresentada no Brasil
Como ajudar uma jovem a arrumar o namorado ideal? Como melhorar a alimentação das crianças na escola? Como uma mineradora deve gerir uma crise causada por contaminação? Como encontrar um bom emprego? E como achar um avião perdido no Oceano Pacífico?
Se alguém disser que existe uma metodologia de gestão que dê conta de todos esses desafios, a reação será de descrédito. Mas a ferramenta é desenvolvida há 20 anos por um professor com experiência no Massachusetts Institute of Technology (MIT) e na Universidade Stanford, e testada em diversas instituições internacionais de ensino.
Estamos falando da Value Creation Wheel (VCW), estrutura criada por Luís Filipe Lages, da Faculdade de Economia e Gestão da Universidade Nova de Lisboa, para auxiliar na identificação e solução de problemas, desafios e paradoxos. Atende desde questões individuais a casos complexos no mundo empresarial e em governos, além de projetos no campo da sustentabilidade e da inovação social.
Inovação e ciência para impacto social será justamente o tema da Conferência da VCW marcada para o dia 9 de outubro, em Lisboa. Há possibilidade de que a próxima conferência ocorra no Brasil, como parte da estratégia de Lages e seus parceiros em desenvolver a metodologia no País, onde já têm realizado uma série de encontros e visitas a organizações e instituições de ensino. A ideia é que o Brasil se some a outros 16 países onde a VCW é difundida.
“O que fiz foi desenvolver métodos que ajudam a tangibilizar intangíveis, como branding, responsabilidade social corporativa, sustentabilidade, satisfação dos funcionários etc.”, conta Lages.
Como resolver problemas em escolas primárias e secundárias, como combater a transmissão da Aids e como encontrar voluntários e fundos para projetos sociais são exemplos de desafios em que a VCW é aplicada. “Buscamos formas de inovar por meio da cocriação, pois algumas sociedades são muito competitivas, o que mata a inovação e o empreendedorismo.”
A ferramenta chegou a ser aplicada por crianças de 9 anos, que tinham como desafio melhorar a qualidade da merenda. Encontraram a solução dentro da própria escola: criaram uma horta que gerava receitas e incentivava o empreendedorismo. Com isso, os alunos passaram a vender produtos saudáveis para os pais, os professores e para a cantina. Além disso, “ensinaram” as cozinheiras a cozinhar (porque não gostavam da comida delas) e usavam as sobras da cozinha para adubar a horta. A fim de vencer a barreira das próprias crianças contra alimentos saudáveis, um aluno deu a ideia de comerem com vendas nos olhos. Assim, se não vissem o alimento poderiam até gostar do sabor.
Como funciona
“A VCW é uma grande paella de cocriação voltada para resolver problemas complexos”, define o professor. O primeiro passo é definir o grande problema ou desafio. Feito isso, parte-se para um brainstorming com públicos de relacionamento (stakeholders) internos e externos. O toró de palpites, entretanto, é feito de forma separada: de um lado se dá a chuva de soluções e ideias e, de outro, a de critérios e filtros. Pessoas com opiniões divergentes e críticas também participam – são os chamados “advogados do diabo”, que costumam dar boas soluções e alertar para o que pode não funcionar.
Em seguida, um conselho formado pelos key decision makers (tomadores de decisão, donos do problema a ser resolvido) faz um ranking dos melhores filtros e ideias recebidos dos stakeholders. Os key decision makers são aqueles que necessariamente reúnem 3 elementos: Manpower (poder de alocar equipe, recursos humanos), Money (recursos financeiros) e Minute (tempo disponível). Sem esses 3 Ms, a metodologia nem começa a ser aplicada. Essa restrição, explica Lages, é um dos diferenciais em relação a outros métodos.
Em seguida, a melhor solução em potencial é passada pelos filtros escolhidos, resultando na melhor solução final. Essa solução, por sua vez, é desenhada e prototipada. Na última fase do processo, decide-se se o protótipo será lançado ou retorna para um aperfeiçoamento (assista a vídeo explicativo).
Para exemplificar, Lages usa o caso real de uma mulher de 55 anos, com nome fictício de Joana. Joana estava há 7 anos desempregada, vivendo da ajuda dos irmãos, o que passou a gerar um desconforto em família. Com experiência na área administrativa, não estava disposta a encontrar qualquer emprego. Queria trabalhar como assistente de direção ou então como diretora. Ela mesma fazia seus filtros: trabalhar até 8 horas por dia e ter os fins de semanas livres.
Em busca de uma solução sobre a carreira de Joana, ela e os irmãos resolveram aplicar a VCW. Os irmãos encontraram 22 ideias diferentes e passaram para Joana (no caso, a única key decision maker, a quem cabia tomar a decisão final). Ela se deparou com ideias que nunca haviam passado pela cabeça. O mesmo foi feito com os filtros.
“Esse é o momento em que a decisão deixa de ser dos outros e passa a ser de quem tem o problema para resolver. Antes de usar a VCW, os irmãos diziam o que ela tinha de fazer e ela logo matava as ideias. Mas, com a metodologia, ela se apropriou das soluções que vieram dos stakeholders”, explica Lages.
A solução final escolhida foi a de trabalhar como cuidadora de idosos, carreira que Joana nunca havia imaginado. Em seguida veio o protótipo: ela pesquisou o que era preciso para se tornar uma cuidadora, redesenhou o seu currículo, alinhou-o com as necessidades do mercado, e buscou a certificação em geriatria.
Hoje, segundo o professor, encontra-se motivada. Forma-se em breve e está na fase de ingresso no mercado de trabalho. Como a metodologia é uma roda na qual se pode retornar para buscar aperfeiçoamentos, o próximo desafio é mapear de que forma ela entrará no mercado, pois já definiu como novos filtros assistir idosos ricos, cultos e nórdicos.
O que traz de novo?
Questionado sobre o que mais diferencia a VCW de outras metodologias gerenciais. Lages ressalta que é exigido envolvimento dos key decision makers e que os filtros nunca sejam misturados com as soluções, se não um mata a ideia do outro. Outro diferencial é ouvir as pessoas do contra, que pensam de forma diferente. Quanto mais variado o grupo de stakeholders, melhor.
Isso é fundamental, por exemplo, no caso de um desastre ambiental provocado por uma empresa. Os stakeholders atingidos precisam ser convidados a fazer parte do processo de solução.
Já na metodologia do design thinking, compara Lages, constrói-se em cima da ideia do outro, não há espaço para criticar. É um método que usa basicamente o and (e). “Aqui não: além do and, damos espaço ao or (ou) e ao but (mas), porque acreditamos que isso vai tornar a solução muito mais robusta”, argumenta.